SRZD: Uma mulher guerreira na direção de Carnaval
18/05/2015 00h01
Abro o artigo com um trecho da música Samba da Benção, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, da década de 60:
“O branco mais preto do Brasil…A benção, todos os grandes sambistas do Brasil / Branco, preto, mulato…”.
Adentro a sala de Solange Cruz, presidente da escola de samba Mocidade Alegre, com o enredo 2016 definido. Será um tema afro, por isso, foi inevitável cumprimentá-la com essa canção. Sorridente, ela responde que essa é uma identidade para quem trabalha com o samba.
Solange Cruz. Foto: Claudio L. Costa
Sintetizando a história da Mocidade Alegre, havia três irmãos, pai e tios de Solange, naturais da cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e que viviam em São Paulo desde 1948.
Passados dois anos, eles e um grupo de homens, saíam pelas ruas da região central da cidade fantasiados de mulher.
Treze anos depois, entre os foliões, havia uma mulher no desfile e todos estavam fantasiados de palhaços pela avenida São João. O locutor de uma rádio, Evaristo Carvalho, disse:
“É um bloco muito alegre, um bloco de sujos, como existem muitos no Rio de Janeiro”. A partir desse dia surgiu o nome; Mocidade Alegre.
A escola tem quarenta e sete anos e dez campeonatos, sendo seis deles, conquistados sob a gestão de Solange Cruz.
Solange Cruz. Foto: SPTurisA menina-mulher que acompanha a história da agremiação desde o seu nascimento passou por vários setores. Foi chefe das miudinhas, chefe de ala e de outros departamentos, diretora de comunicação, mestre de cerimônias, vice-presidente e presidente, há 13 anos.
Um dos produtos criados, antes de assumir a presidência, é o Grupo Miscigenação, mistura de dança e música, por meio da magia do Carnaval e do folclore brasileiro.
Para ela não existe fórmula mágica para os resultados. A base está no conceito escola de samba. Um ambiente formado pela massa e pela comunidade – ela é o foco central.
Administrar é um dos pontos, mas a prioridade está nas pessoas.
“Hoje há muitos presidentes que entendem de administração, mas não conhecem totalmente uma escola de samba” relembra.
A escolha dos enredos é sempre baseada para agradar ao seu público interno, sua gente. A prioridade é a escola, o ponto de partida, o material de trabalho. Para o próximo ano, a Mocidade Alegre desfilará “Ayo – a alma ancestral do samba”.
Trata-se de um gênero musical de origens africanas para comemorar o centenário do samba. Solange reitera:
“O samba tem muito suingue, cor da pele e faz arrepiar, assim como na Bahia onde há temas interessantes, mas já defendemos enredos que não eram afros e fomos muito felizes”.
Pioneira em enredos abstratos, a agremiação também teve excelentes resultados. E a própria presidente relembra que antigamente o Carnaval era mais histórico e cronológico. Buscava-se contar histórias na íntegra e os julgadores tinham formação em história, geografia, filosofia.
Essa mudança ocorreu com a chegada do subjetivo, do abstrato que tomou conta do Carnaval, inclusive no Rio de Janeiro. Ainda assim, a “Morada do Samba” busca temas para agradar seus componentes.
“Quem faz o Carnaval é a massa. Tem de mexer com a emoção, com a alegria. A comunidade é a facilitadora e o resultado do trabalho, principalmente para quem está na liderança”, reflete Solange.
A postura, diante do cargo, é bem pontual. Ela trabalha como a porta-voz e não a dona da escola.
Quando assumiu a Mocidade, a agremiação não tinha o sincronismo atual. Houve muito trabalho, pesquisa, deu ouvido à comunidade, o que gostavam ou queriam, e o resultado chegou logo no primeiro ano, com a conquista do campeonato.
Solange Cruz. Foto: Divulgação
Comento que o termo festa popular está em desuso, afinal, o segmento tornou-se um grande produto comercial. Ela faz um paralelo com o mundo externo.
“Vender algo que você acredita, o entusiasmo aumenta; mas ter um produto em mãos onde o ceticismo toma conta, pode ter certeza que não será vendido”.
Assim como outras escolas, as fantasias são comercializadas pela boutique virtual – e-commerce – para simpatizantes, veteranos ou novatos. Esse é outro momento primordial do público da escola. É ele quem influencia os recém-chegados. E Solange pontua:
“É mais fácil ter 300 pessoas que te abraçam e te convidam para festejar, do que uma com pouca experiência que não sabe nada”.
E por falar na questão monetária ela brinca que, embora a escola tenha a cor vermelha, ela prefere trabalhar no azul. Essa é uma de suas principais metas e reconhece que só a atinge com a ajuda de todos, sejam voluntários ou equipe contratada.
Os colaboradores tem grande satisfação em trabalhar na escola. A festa de lançamento do enredo, ocorrida em 25 de abril de 2015, foi uma surpresa para a presidente, que não participou de nenhum ensaio.
Ela frisa que confia em sua equipe, caso contrário, não teria sentido. A maioria é voluntária na escola e esse é um dos pontos observados, com peculiaridade, pela presidente.
“Graças a Deus conseguimos trabalhar de maneira humanitária. Acredito no trabalho por amor. Fico feliz em saber que a comunidade é presente. Para mim, é estranho assimilar uma pessoa batendo no peito por um pavilhão e amanhã está contemplando outro”.
Solange Cruz e baianas da Mocidade Alegre. Foto: Claudio L. Costa
Houve situações como essas na escola, porém, tratadas de forma amigável. A saída ocorreu pela porta da frente. Alguns conheceram outros lugares e perceberem que o melhor local é a sua própria casa. São reincidentes. Preservaram a experiência e voltaram à “Morada do Samba”. Solange fica muito feliz, claro!
É uma mulher habilidosa, comunicativa, vocabulário preciso – oratória e fonética especiais -, simpática e vaidosa. Em qualquer ambiente corporativo é possível encontrar líderes sisudas e enérgicas, com pouca feminilidade. Felizmente esse cenário muda a cada dia. Faço essas observações e, ela sorri animadamente.
“Gosto de mudar o figurino, o cabelo, os acessórios”, completa.
Está sempre arrumada – inclusive, a respeito de unhas e maquiagem – e com a voz ativa para organizar qualquer evento. Com esse perfil passou a levar seu conhecimento, de liderança e empreendedorismo, às empresas de todo o país.
Solange é referência em palestras motivacionais. No ano passado, convidada para um evento na região sul do Brasil, teve uma experiência bem interessante. Havia dez salas e, em uma delas, com 50 presidentes e diretores de RH, ela estava entre os convidados e notou a coincidência com o segmento escola de samba.
Um presidente delega as tarefas e espera o resultado, mas é necessário o acompanhamento, a vistoria e a participação. Na Mocidade as reuniões ocorrem duas vezes por semana para discutir ações, planejamento e também o resultado após os eventos feitos na quadra, ou em outros lugares.
Solange Cruz. Foto: Divulgação
Ainda, na comparação com o mundo empresarial, em que a competição é inerente em qualquer setor, a escola de samba Mocidade Alegre preserva a tradição dos sambistas e fundadores Juarez, Salvador e Carlos Cruz. Quando a escola ganha o Carnaval, imediatamente os componentes seguem para sua quadra e comemoram. Quando uma coirmã vence o campeonato, a escola cumprimenta, respeitosamente, o outro pavilhão em sua própria sede.
“Quando saúdo um presidente e seu pavilhão, estou me referindo à nação daquela escola. Perder faz parte, porque todos buscam o campeonato, isso é natural”, enfatiza Solange.
Vale lembrar que ela também teve uma função importante na Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, mas desligou-se para dedicar seu tempo integral a Mocidade. Ela parabeniza a gestão atual e comenta que há resultados, mas a divulgação foi tímida.
“O nome da Liga-SP é forte e reconhecido pelo segmento, isso é mantido com administração séria, linear e muita dedicação. Para mim, o maior valor de um ser humano e de todas as coisas é o nome. Isso é imprescindível”, acrescenta.
Seus atributos também contemplam a facilidade para falar ao microfone. E revela:
“Falo com o espelho e observo pastores – eles têm o dom da didática e são persuasivos”. Desde pequena era oradora da turma no colégio e na Mocidade Alegre aprimorou mais. Até o ano 2000 trabalhava com marketing e vendas. Batia todas as metas do mês – evidente quando tinha convicção. Certa vez, recebeu a incumbência de vender um material elétrico para unhas, que removeria cutículas instantaneamente. Avisou ao seu gerente que não acreditava no produto.
Tiro e queda. Não vendeu. Sr. Irvis e Roberto Siqueira – são chefes saudosistas, o último foi um “guru”. Era uma importadora que vendia máquinas para cortar cabelo. Virei referência entre meus colegas e todos pediam dicas.
Casada há 23 anos com Mestre Sombra, eles tiveram Carlos Augusto, o Carlinhos, filho de 15 anos, também chamado de Sombrinha. A mãe descreve o primogênito com os olhos brilhantes.
Ele é autodidata, independente, toca todos os instrumentos, joga futebol, estuda inglês, é líder nato e tem opinião formada para tudo, além disso, é uma pessoa muito querida. É capaz de sair em todas as escolas de samba. Os mestres de bateria gostam muito dele e na cidade maravilhosa até participa de um grupo formado por esses ritmistas.
“Carlinhos está sempre antenado. É um estudioso do Carnaval e gosta muito de sambas enredo e desfiles. O material menos assistido é o da Mocidade Alegre porque ele vivencia mais. Aprendeu a tocar os instrumentos sozinho, sem a interferência do pai”. Depois de tecer os elogios ao filho ela comenta, com muito carinho, sua atuação maternal. “Peço perdão ao meu filho, porque falho como mãe. Ele entende e até brinca com isso, mas estamos sempre juntos, inclusive porque o Sombra é pai e mãe, em muitas vezes”.
Mulher, mãe, líder, formadora de opinião, Solange Cruz é católica, devota de Nossa Senhora, gosta de ir ao cinema, gosta de cozinhar e receber seus amigos.
Dinâmica e assertiva nas decisões, sua trajetória é composta de vitórias que a conduzem para celebrar a vida!